Mídias sociais estão destruindo a democracia, alerta a vencedora do Nobel da Paz

Ressa acredita que a tecnologia precisa ser contida, pois está roubando o livre arbítrio. (Foto: Instagram/Arquivo pessoal)

As plataformas de mídias sociais estão destruindo a democracia, alerta a jornalista filipina Maria Ressa, vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 2021. Co-fundadora do site Rappler, ela é alvo de diversos processos e chegou a ser presa em 2019 pelo governo de Rodrigo Duterte, após uma reportagem. Na opinião da comunicadora, as plataformas de mídia social têm transformado os jornalistas em influenciadores. Ela também acredita que as mentiras ganham maior alcance do que o jornalismo de qualidade.

“Os feeds personalizados [das redes sociais] fazem com que os vieses cognitivos de todas as pessoas sejam amplificados, usando essas escolhas algorítmicas. É uma radicalização dos pontos de vista em relação a tudo, desde democracia até vacinas até mudança climática, diretamente para a terra plana”, disse Ressa. 

A vencedora do Prêmio Nobel da Paz, concedeu a entrevista à repórter Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S. Paulodurante o dia mundial da liberdade de imprensa, em Genebra.

Durante a conversa, Ressa comenta que o impacto das mídias começa como um reforço individual dos vieses. “No final, o que acontece é que a liberdade de expressão acaba sendo utilizada para sufocar a liberdade de expressão”.

“Você e eu já sentimos na pele esses ataques seletivos exponenciais, e entre as primeiras pessoas visadas estavam jornalistas, organizações de imprensa, políticos oposicionistas. Quando você é atacada 1 milhão de vezes, quando a desinformação de gênero está num ponto em que você é martelada até ser reduzida ao silêncio, o passo seguinte é substituir sua narrativa, certo? É uma estratégia que já funcionou da Crimeia à Ucrânia, das Filipinas ao Brasil, nos Estados Unidos e além”, explica.

Ela relembra o discurso do Nobel, onde descreveu as mídias sociais como uma bomba atômica que explodiu no ecossistema de informação. “O que estamos vendo acontecer hoje —o colapso da lei e ordem, o colapso dos freios e contrapesos da democracia—, isso é o que acontece quando há impunidade no mundo virtual. Ela leva à impunidade no mundo real”.

Ressa comenta sobre o uso de redes sociais como YouTube e o Facebook, para aumento de alcance por parte de líderes políticos em períodos de eleições. “Neste exato momento, estamos impotentes. No longo prazo, é preciso educação. No médio prazo, é legislação. E, no curto prazo, é preciso ação coletiva. Precisa ser uma abordagem de toda a sociedade para tentar redefinir o que significa engajamento cívico hoje. Foi o que tentamos fazer para nossas eleições em maio. É o que Brasil vai precisar fazer para as eleições de vocês”, opina.

“É preciso perguntar se as pessoas realmente querem viver num mundo onde se pode manipular todas as pessoas ou onde a democracia é destruída e não vivemos numa realidade compartilhada. Estamos em 2022 e a situação está piorando. Eu estou apostando minha liberdade nisso, na ideia de que podemos fazer alguma coisa”.

 “Eu me tornei jornalista porque acredito que informação é poder, mas éramos responsáveis por esse poder e as coisas avançavam muito mais devagar. Hoje, não. Criaram uma ferramenta de inteligência artificial que redige 30 mil artigos de ódio em menos de 24 horas. Uma máquina de ódio”.

“Essa tecnologia precisa ser contida. Ela está roubando o livre arbítrio. Uma vez democraticamente eleitos, eles demolem a democracia de dentro para fora. Quero dizer, vejam, Hitler foi democraticamente eleito, não? Não preciso dizer nada ao Brasil”, completa.

Jornalismo e regulação
Questionada se o modelo de negócios da imprensa tradicional é sustentável,  Ressa diz que o formato de anúncios já morreu. “O que aprendi é que no curto prazo vamos ter que colaborar, colaborar, colaborar. Mas, no curto prazo, precisaremos de ajuda, nós, a mídia independente, e isso é parte da razão por que concordei em liderar o Fundo Internacional para Mídia de Interesse Público. Trata-se de um grupo lançado em 2019. Ele vai tentar levantar recursos de assistência ao desenvolvimento no exterior (ADE) de países democráticos”, afirma.

Para Ressa, a regulamentação mais urgente no mundo está na reforma ou revogação da Seção 230 da Lei de Decência das Comunicações dos EUA. “Essencialmente conferiu impunidade a essas plataformas. Elas podem injetar porcaria tóxica, ódio, teorias conspiratórias diretamente em nosso sistema nervoso, com impunidade, e isso levou à ruptura dos freios e contrapesos e do Estado de Direito no mundo real”.

“Portanto a primeira: é preciso haver responsabilização. Há a outra parte que anda de mãos dadas com isso: as organizações de notícias também têm sido forçadas a fazer parte desse modelo de capitalismo de vigilância, ou seja, esse mesmo modelo está determinando qual jornalismo sobrevive, e não é o melhor jornalismo que ganha o maior alcance. Na realidade, são as mentiras que ganham o maior alcance”, finaliza.

Confira a entrevista completa aqui:

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