Exposição de dados sigilosos de atriz abre questões sobre ética na imprensa

Federação Nacional dos Jornalistas abre investigação sobre o caso. (Foto: Instagram/Reprodução)

O caso da atriz que engravidou após um estupro e encaminhou a criança para adoção, e teve toda a situação exposta por um colunista do site "Metrópoles", no final de junho, trouxe a tona questões sobre proteção de dados e conduta ética dos profissionais envolvidos. 

A Propagavel procurou especialistas sobre o assunto que apontaram que a atriz pode ingressar com ação indenizatória por danos morais, de imagem ou patrimoniais sofridos. Além disso, pode fazer um pedido de indenização. Segundo os especialistas, a violação à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) poderia embasar uma possível condenação dos envolvidos.

Para a advogada Camilla Pinheiro, especialista em LGPD, todas as vezes em que dados pessoais são tratados em desconformidade com quaisquer das determinações da lei, há uma violação. 

“Nesse caso podemos enxergar uma violação ao princípio da finalidade do tratamento, pois os dados pessoais da atriz e da criança só poderiam ser tratados para as finalidades necessárias aos procedimentos de saúde e aos trâmites legais da adoção. Além disso, não foi garantida a confidencialidade da informação, ou seja, quem não deveria ter acesso teve acesso”, explica Pinheiro, do estado de Goiás.

“É importante esclarecer que entregar um filho para a doação não é crime”, pontua a advogada criminalista Maria Carvalho. "A atriz não abandonou um incapaz. Ela obedeceu todos os trâmites legais, então não é crime. Está na lei de adoção. Mesmo que a mulher não seja estuprada, e ela deseje doar o filho para a adoção, não é crime", completa Carvalho, do estado de Pernambuco.

A exposição dos fatos sigilosos podem levar os envolvidos a responder a crimes. Na avaliação da advogada criminalista, houve conduta criminosa por parte do hospital. “Quem cometeu o crime foram os funcionários do hospital, que deixaram vazar essa informação. Nesse caso, com certeza, os funcionários cometeram crimes. Está no artigo 154 e 325, do Código Penal”. 

Outro ponto levantado por Carvalho foi o crime contra a honra da atriz. “O crime de difamação, além de a pessoa ser punida, também pode sofrer uma penalidade financeira. São seis meses para buscar esses direitos e para comprovar os fatos”, ressalta.

O Código de Ética dos Jornalistas, considera que os jornalistas não devem colocar em risco a integridade das fontes e dos profissionais com quem trabalha. Por outro lado, deve:

  • respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão;
  • defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, dos adolescentes, das mulheres, dos idosos, dos negros e das minorias;
  • combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, econômicos, políticos, religiosos, de gênero, raciais, de orientação sexual, condição física ou mental, ou de qualquer outra natureza. 

Crime na imprensa
Para ambas as advogadas, a conduta dos profissionais de imprensa que expuseram o fato sigiloso deve ser investigada. “Do ponto de vista da proteção de dados, o tratamento de dados para fins jornalísticos é tratado como uma exceção ao cumprimento da LGPD. Todavia, dependendo de como um jornalista, colunista e apresentador se pronuncia, ele pode incorrer em crimes contra a honra, e pode sim responder criminalmente”, explica Camilla Pinheiro.

No entanto, para a conduta ser considerada crime precisaria atender a alguns critérios, explica a advogada Maria Carvalho. “A ciência jurídica é relativa. Ela não é absoluta. Depende do legislador. Se alguém imputa outro alguém a um fato ofensivo à sua honra, inclusive na internet, e não cita o nome, mas traz elementos que possam identificar aquela pessoa, pode sim responder pela conduta típica da difamação. Porque, apesar dela não ter colocado o nome, trouxe elementos que dá a entender que é aquela determinada pessoa. O legislador pode entender que é um fato criminoso, e  imputar que a pessoa responda pelo crime de difamação”.

O conselho das advogadas para evitar situações constrangedoras é que os profissionais procurem sempre se pautar pelos Códigos de Ética de suas profissões, e terem cuidado na comunicação. 

“As pessoas precisam entender que internet não é terra sem lei. A forma e o teor das comunicações podem gerar inúmeros prejuízos. É preciso observar também a LGPD, o Marco Civil da Internet, disposições do Código Civil no que diz respeito a responsabilidade de quem causa prejuízos a outro e as condutas tipificadas pelo Código Penal como crimes contra a honra”, ressalta Pinheiro.

“É importante que quem sofre esse tipo de crime busque a Delegacia de Crimes Cibernéticos, para abrir um registro da ocorrência. Existe um prazo decadencial, de seis meses, a partir do dia que a pessoa sabe quem cometeu aquele crime. É preciso informar a sociedade sobre a forma de proceder quando for vítima de uma difamação na internet. O primeiro passo é procurar a delegacia específica”, orienta Carvalho.

Outro trecho do Código de Ética dos Jornalistas ressalta que o jornalista não pode divulgar informações “de caráter mórbido, sensacionalista”, bem como não pode:

  • Expor pessoas ameaçadas, exploradas ou sob risco de vida, sendo vedada a sua identificação, mesmo que parcial, pela voz, traços físicos, indicação de locais de trabalho ou residência, ou quaisquer outros sinais;
  • Usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime; 

Consequências
Após a repercussão, a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), encaminhou uma denúncia contra o colunista à Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, base do site, que deverá apurar o caso. O site "Metrópoles" e o colunista, após a onda negativa da matéria, admitiram o erro pela exposição da situação.

O Conselho de Enfermagem (Coren-SP), responsável pela apuração do vazamento das informações no hospital onde a atriz deu à luz a criança, teve o acesso negado ao prontuário da vítima, sob a justificativa de necessidade de autorização prévia da paciente. A negativa segue o previsto em resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) e no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. 

Em sua última postagem no Instagram, na quarta-feira (6), a atriz agradeceu o apoio dos fãs e dos profissionais que estão preservando os seus direitos. O texto também foi direcionado aos jornalistas, no qual ela agradece: "a imprensa séria e responsável, que vem me respeitando durante esse momento", escreveu.

*A reportagem preferiu preservar a identidade da atriz envolvida no caso.

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